Este é um ensaio diferente. Não expressa uma opinião. Tão pouco quer te levar a alguma conclusão. É mais uma viagem que te convido a fazer comigo. Abro a janela destas minhas lembranças, te mostro certas paisagens e fico torcendo para que você também não chegue à conclusão alguma. Apenas curta o passeio. Misture as paisagens com suas próprias lembranças e sinta do seu jeito.
Das coisas que escrevo aqui, sentir é melhor do que concluir.
Há doze anos atrás eu passei dez dias na bela Amsterdam, Holanda, a convite de um cliente. Na época, eu nem imaginava que teria um encontro marcado com Jesus ainda naquele ano.
Engajado nas coisas mundanas, curti as diversas atrações que a cidade tem para oferecer... Nem todas tão cristãs... Risos. Das que posso recomendar a um irmão de fé, falo de uma em especial: o Van Gogh Museum.
Lembro-me da minha visita como se fosse hoje. Logo na entrada, me ofereceram um tipo de walkman diferente. Um gadget super interessante que percebia por sensores a sala do museu e a obra em que eu estava próximo e oferecia detalhes da pintura e a impressão de pessoas de saber renomado na arte do perturbado, dado por louco e incompreendido pintor.
Vincent Van Gogh foi um homem que viveu fora de seu tempo. Herege de carteira assinada, miserável, apaixonado ardente. Em vida, vendeu apenas uma única obra, quase que por pena, mas passados tantos anos de sua morte triste, foi justamente dele, do louco, o quadro mais caro já vendido em um leilão. Não apenas “o” quadro mais valioso do mundo, mas os cinco quadros recordistas em leilões são de sua autoria. Sua coleção de obras vale mais do que o tesouro nacional de muitos países pequenos.
Enquanto via os quadros perturbadores de Vincent, o pano de fundo da narrativa da “cicerone eletrônica” era uma música linda de Don McLean, cantor folk norte-americano, a letra falava do incompreendido que amou o mundo e foi maltratado por ele. Morreu só e miserável, sem contudo, deixar de amar a seu semelhante.
No museu, quando o visitante se aproxima da reprodução do quadro “Estrelada, noite estrelada” (o original está no MoMa em New York) o volume da música se eleva no walkman... E, bem... Alguns choram. Eu chorei.
Hoje, foi diferente.
Estava eu debruçado no estudo da primeira carta de Paulo aos Coríntios (1-27):
“Mas Deus escolheu o que para o mundo é loucura para envergonhar os sábios, e escolheu o que para o mundo é fraqueza para envergonhar o que é forte.”
Apenas mais uma das muitas vezes em que o apostolo Paulo se refere ao Evangelho e a Verdade de Deus como sendo loucura para o mundo, quando a música “Vincent” ou "Starry Starry Night" começa a tocar no som da minha casa.
Nesta hora, formou-se em minha mente uma sublime conexão entre a experiência que vivi no museu, Jesus e o Seu Amor.
Lembrei-me logo do texto “Loucos e Hereges” de Júlio Zamparetti e das ilações feitas por ele sobre a percepção que os fariseus tinham de Jesus, dado por herege e subversivo por se rebelar contra os valores morais e espirituais de Sua época.
Não conheço o Júlio pessoalmente, mas penso que ele fez esta viagem antes de mim. Não a toa, ilustrou este artigo com um auto-retrato do pintor.
Claro que o texto do Júlio falou ao meu coração, mas não fiz esta conexão com a música de Don, tão pouco vivenciei esta nova percepção do Amor de Jesus que agora se construía na minha mente.
É muito amorosa e intrigante a forma como o Senhor vai te instruindo todos os dias para sentir novos sabores e sensações, um preparo cuidadoso para que você possa digerir alimentos novos, que antes não lhe cabia receber.
O Senhor vai te ensinando a conhecer mais Dele, a compreender coisas que antes seus ouvidos não ouviam e seus olhos não viam e a sua mente não era dada a entender, ou perceber.
Tanto mais o coração, para sentir e vislumbrar mais e mais deste Amor Ágape, que excede a todo o entendimento.
Mas há pessoas que conseguem perceber mais do que outras este Amor Infinito.
Nesta viagem de idéias, aparentemente desconexas, percebi que aos doidos parece ser dada, na sua loucura, um vislumbrar maior deste Amor de Deus.
E, sentindo mais forte do que nunca esta vontade de Deus de nos fazer “doidos por Cristo”, veio-me a mente um trecho de “Ortodoxia” de G.K. Chesterton: Se você discutir com um louco é provável que leve a pior, pois sob muitos aspectos a mente dele se move muito mais rápido, pois não se atrapalha com coisas que costumam acompanhar o bom juízo. [...] De fato, a explicação para a insanidade neste respeito é enganadora. O louco não é o homem que perdeu a razão. O louco é o homem que perdeu tudo, menos a razão.
E é assim, sem o peso da hipocrisia, dos padrões estéticos, éticos, econômicos, culturais e morais do mundo: Nu, como já dizia Gilberto Gil, entende-se e fala-se melhor com Deus e o Seu Amor.
Na inocência de criança, forma que todos haveremos de poder ter e ser, para como disse Cristo, ir a Ele, as criancinhas, como herdeiros do Reino.
Agora entendo mais do que Ele quis dizer.
E mais uma vez os versos de Don McLean, me vêem a mente, traduzo para vocês:
Agora eu entendo
o que você tentou me dizer
e como você sofreu para se manter são
e como você tentou libertá-los
eles podem não ter escutado,
podem nem ter sabido como
talvez eles escutem agora
[...]
Para aqueles que não puderam te amar
Ainda assim seu amor foi verdadeiro
[...]
Eles não escutaram. Elas ainda não escutam
Talvez nunca venham a escutar
[...]
Mas eu podia ter te dito Vincent
Este mundo não tem sentido para alguém
tão belo como você.
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Fonte: Genizah
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